“A minha família começou produzindo bolachas e fizemos 25 pacotes. Vendemos cada um a R$1,50. Dois pacotes em duas famílias e ganhamos R$3, mas a gente não desistiu. Teve um mês que deu para pagar a luz, começou cobrir as despesas e a gente continuou. Depois da fábrica de bolacha, colocamos uma fábrica de queijos, tudo legalizado, pois a vigilância exigia. A partir disso, as coisas começaram a melhorar e fomos evoluindo, melhorando os produtos, vendendo bem. Daquela pequena alternativa que era para tirar as despesas, virou nossa principal fonte de renda. A feira é que dá o sustento da família”.
Esse é o relato de Clairton Isidoro Balen, 55 anos, um dos primeiros participantes da Feira da Nossa Terra, cooperativa que foi constituída oficialmente em 2002. O propósito inicial da entidade é oportunizar um espaço para que os agricultores pudessem vender os alimentos produzidos no campo.
União
Conforme o conta o presidente da cooperativa Nossa Terra, Adelmir Gaiardo, a instituição trabalhou na organização dos agricultores com o propósito de unir produtores e consumidores. “A iniciativa foi liderada por uma série de entidades para que unisse a ideia de consumo consciente, solidário e a possibilidade dos agricultores levar e ofertar os alimentos que eles produzem na roça a todos nossos consumidores, com qualidade e segurança alimentar”.
Aos poucos, a insistência dos agricultores em manter um comércio para o público urbano fez com que a Nossa Terra ofertasse mais condições de trabalho e abrisse novos espaços de mercado. Para Lucinei Dione Calgaro, secretário da cooperativa, a feira ultraa os limites regionais.
“Há 23 anos, nem todos os nossos produtores familiares tinham condições de vir frequentemente à cidade. O mercado que criamos foi uma forma de ter o produto deles para comercializar e ao mesmo tempo comprar os produtos que eles precisavam para levar para casa. A partir disso, foi crescendo com incentivo de políticas públicas, formou-se várias agroindústrias, a gente foi aprimorando essa parte até chegar no período de 2009, onde houve o período de compra, principalmente institucional”.
Números e depoimentos
Atualmente são 18 famílias que comercializam na feira. A Nossa Terra tem um quadro societário com mais de 1600 famílias e 45 agroindústrias. A cooperativa atende em 11 estados brasileiros, mais de sete mil escolas e 450 entidades. Confira o relato de alguns produtores que expõem seus alimentos:
Dirce Sperotto Copercini, 59 anos, moradora de Lajeado Paca, interior de Erechim
“Fomos convidados por um amigo, primeiramente a produzir produtos orgânicos livres de agrotóxicos, e construímos uma pequena estufa de morangos. A partir disso, recebemos o convite de um senhor que vendia aqui, pois sempre quis algo mais natural. Como temos a propriedade certificada pela Rede Ecovida, o que produzimos lá é sem agrotóxicos. Faz bem para nós, da família, e para outros consumidores.
Lucivani Isoton Pigatto, 48 anos, moradora do Km 14 - Dourado, Erechim
“A primeira feira foi bem pequena, há 24 anos, na época vendemos uma dúzia de ovos e dois quilos de arroz. Depois apareceu a chance de abrir uma granja de ovos e na outra oportunidade colocamos a padaria. Naquele tempo não tinha infraestrutura nenhuma e depois de anos ei para os meus filhos. Quem comanda a padaria é minha filha. Meu marido e eu cuidamos da granja Ovos Dourados”.
Alessandra Pigatto, 20 anos, filha de Lucivani, e está à frente nos trabalhos da padaria da família, Sabor do Vale
“Eu comecei bem nova, ajudava a embalar e fazer os rótulos e com o tempo fui aprendendo a fazer as outras coisas, até que meu irmão acabou abrindo o negócio dele e eu tive a oportunidade de seguir na padaria. Faz três anos e meio que eu estou na padaria, tem uma mulher que me auxilia três vezes por semana [...]. Eu continuei, porque tive a oportunidade de liderar e poder fazer as minhas escolhas, investir no que eu quero, gastar em setores que eu vejo necessário. Eles (pais) sempre me ajudaram e me incentivaram”.
Joelci José Deresz, 44 anos, morador da Linha Rio Verde, interior Erechim
“No começo eu tive uma proposta para trabalhar com tomate e pepino em conserva, como não deu certo eu parti para as verduras como alface e repolho. Comecei entregando nas casas, fazia isso uma vez por semana, depois surgiu a oportunidade de estar vendendo aqui na feira da cooperativa Nossa Terra, isso vai fazer quatro anos já. Criado desde pequeno na agricultura, tive a oportunidade de vir trabalhar na cidade, mas não senti no coração de vir, acho que meu lugar de trabalho é lá onde moro”.
Marisete Teresinha Breitenbach, 40 anos, moradora de Três Arroios
“É uma rotina bem comprometida, porque temos dia e hora para cumprir com todo mundo, fizemos a colheita e tem toda uma programação para fazer as entregas na mão do cliente com as frutas sempre fresquinhas. O suco é natural e feito na hora aqui na feira”.
Claudemir Mariga, 50 anos, morador da Linha Três, Secção Paiol Grande, Erechim
“Faz 17 anos que temos essa atividade dos embutidos e iniciou com meu pai e minha mãe e fui dando sequência. A gente não consegue toda a matéria-prima, um pouco tem na propriedade e o restante compramos de fora. Nós abatemos em torno de 45 suínos por semana [...]. Na feira conseguimos vender direto ao consumidor e agregar mais valor ao produto”.
Leonardo Vilson Fuzinatto, 28 anos, morador de Três Arroios
“Eu comecei faz pouco tempo, entrei junto com o Witschinski na feira. Para nós, é muito importante esse espaço, temos uma variedade muito grande de produtos e isso representa nossa vida, a produção, a agricultura. A nossa vida está baseada nisso. O segredo para produzir alimentos é ter amor, carinho e muita dedicação no trabalho”.
Mauricio Slongo, 27 anos, continua com os trabalhos da família na Vinícola Slongo, na Linha Batistela, Erechim
“Seguir o ramo é uma coisa que vem desde pequeno, sempre estive introduzido nisso, tanto eu quanto meu irmão, que está cursando o ensino médio, vamos seguir esse ramo porque é algo que a gente gosta e que crescemos nisso. Ser agricultor é fundamental, porque é de onde vem toda a produção alimentar da sociedade, é onde conseguimos trazer para as pessoas um pouco de qualidade na alimentação”.
A Cooperativa tem um papel de auxiliar o homem do campo oferecendo e e mercado para destinar seus produtos. “A Nossa Terra é uma das cooperativas da agricultura familiar que mais comercializa em todo o Brasil e além disso, o país forma hoje um prato na alimentação escolar só da agricultura familiar. A gente tem que levar em consideração quando falamos em alimentação, hoje estamos em grandes centros como São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia, que merenda escolar é a única refeição que algumas crianças têm no dia”, explica Calgaro.
Cada produtor se orgulha de produzir alimentos saudáveis e vê no rosto dos clientes que am pela feira um sorriso de satisfação.
Gaiardo menciona que a atuação da agricultura familiar vai além de produzir e entregar alimentos. “A aceitação que os produtos da agricultura familiar tem é impressionante, porque leva qualidade e outros valores agregados que não é só a aparência física bonita. Tem organização, sustentabilidade, permanência do agricultor trabalhando e produzindo no campo. É um apelo social muito forte”.