Em tempos da 70ª Feira do Livro de Porto Alegre, que, portanto, ocorre sem interrupção desde 1954 (esse ano impossível, inacreditavelmente longínquo, em que o Brasil e o mundo parecem estar não aqui, mas numa galáxia muito, muito distante), trago para a apreciação do caro leitor/a um texto dos professores Sérgio e Olga Farina (também eles intelectuais de um outro universo) escrito em 1999 (outro ano menos próximo do que parece):
“Carta aos que gostam de ler
Se você gosta de ler, já se coloca à frente de todos aqueles que não gostam de ler. E convenhamos: é uma vantagem medida a anos-luz. Você está a anos-luz à frente de meio mundo, descontados os 26 milhões de analfabetos.
Olhe. Começamos com uma afirmação simples, bem do tamanho de sua cabeça. É assim. Gostar de ler é ampliar-se. É ter mais olhos e mais almas.
Com mais olhos, você enxergará mais caminhos, mais horizontes a perseguir, porque ler é sempre um ato cultural. Ele propicia visões de mundos e realidades diferenciadas, com reflexos positivos no cotidiano da gente. Com mais olhos, você emancipa a pobreza política do ser humano.
Com mais almas, você abrirá ao infinito as possibilidades de vencer. Sua vida terá mais imaginação, mais visibilidade de opções. Com mais almas, você poderá ver com mais clareza a escuridão, poderá aumentar o mundo a partir de uma ideia colhida no canto de uma página.
A vadiagem pelo mundo dos livros é a melhor terapia que existe. As letras desenterram nossos silêncios milenares. E não esqueça que a voz dos livros tem sotaque de libertação e de gênese. É que o mundo foi criado em dois momentos: o primeiro, em água e luz -–está na Bíblia; o segundo, em alfabetos, está nos livros. É só lembrar que o mundo ou por uma revolução incrível quando inventou a imprensa e quando os livros começaram a sair pelas janelas dos conventos e dos copistas.
O poeta Manoel de Barros afirma que ‘a maior riqueza do homem é a sua incompletude’. Pois bem, se isso já é uma riqueza, imagine a riqueza a mais que os livros lhe poderão trazer. Reflita. Como completar o ninho de seus afetos? Como completar as lacunas de sua inteligência? Como ser mais você mesmo? Boas leituras respondem a tudo isso e mais alguma coisa, porque a palavra redime as fraquezas e as covardias do homem.
Gostar de ler é monumentalizar-se. É buscar reforço de fora e fixar a própria identidade. Você se convoca a ser. A ser cada vez mais você mesmo no espelho das palavras.
Gostar de ler é aproximar-se mais e mais dos limites que há entre você e o infinito, lá onde o harpejo das vozes mistura sonho com realidade.
Gostar de ler é botar som/sonoplastia no silêncio das palavras. Não acha isso divertido?
Pois, esse é o nosso recado. Leia adoidadamente para melhor compreender o mundo e compreender-se a si mesmo, junção mágica da harmonia. Abraços."