Todo mundo, mais ou menos, leu “Nada de novo no front”, o romance autobiográfico de Erich Maria Remarque sobre a Primeira Guerra Mundial, publicado em 1929. Bem menos gente leu, porém, sua continuação: “O caminho de volta” (1931), que tematiza as dificuldades enfrentadas pelos soldados em encaminhar suas vidas no pós-guerra. A depressão, sua nuvem negra e pesada, aparece, sem ser nomeada, em meio ao longo e difícil luto da experiência brutal nas trincheiras, e atravessa a narrativa inteira. Sabemos: aquela nuvem atravessará, mais que a narrativa, o século XX inteiro, e além.
O livro e a leitura, e uma sua possível relação com a depressão, também aparecem, em três momentos: Karl Bröger, leitor e colecionador entusiasmado de livros, planeja agora vender sua coleção e tornar-se comerciante de bebidas (não sem antes transformar o couro da capa da obra completa de Goethe em material para sapatos, “pelo menos uns seis bons pares”). “Um centímetro de negócio vale mais que um quilômetro de cultura!”, diz a seus companheiros incrédulos.
Ludwig Breyer pede a Ernst, o protagonista, livros emprestados. Ernst observa que o amigo escolhe livros “profundos, difíceis”. Ludwig pondera: “Eu agora leio sem parar, desde a manhã até a noite. Lá no front um punhado de ideias me torturavam a mente, e eu nunca tinha tempo para pô-las em ordem. Agora, depois que tudo ou, meu desejo é o de aprender uma porção de coisas. Por exemplo: o que é que há com a humanidade, como podem acontecer certas coisas, qual é a razão de tudo isso? Enfim, muitas são as perguntas.” “E pensas que nos livros irás encontrar a resposta?” “Pelo menos vou tentar.”
O próprio Ernst (Birkholz), até a guerra um leitor voraz, agora é professor em um vilarejo no interior da Alemanha. Em uma aula para crianças de oito a doze anos que o fitam tão entregues e confiantes “que eu sinto um aperto no coração”, reflete: “Devo explicar-lhes que esses livros que vocês têm em mãos são redes em que pretendem enlear as suas almas desprevenidas nas malhas de palavreados inúteis e alçapões de conceitos falsos?”
Dinheiro, todo o sentido, sentido nenhum: quem terá razão? Em que gruta recôndita, em que penhasco varrido pelos ventos, em que página amarelada encontra-se o diamante da cura, a pílula vermelha, a pedra filosofal? Livros, é claro, não são remédio para a depressão. Mas se tu, porventura, te encontrares triste e desorientado em um entroncamento de estrada, em um caminho que se bifurca, não poderá uma palavra escrita, soprada por uma outra alma, inspirar o próximo o? E veja: não há, no Universo todo, coisa maior que um o.