Vamos aos fatos: estamos com os comunicadores enlouquecendo sobre os bebês reborn, citando poucos casos isolados em que algumas mulheres levaram a sério demais a maternidade destes — como se fossem uma prova da completa histeria da mulher moderna emancipada e o fim dos tempos. Porém, o comportamento preocupante são as bonecas sexuais hiper-realistas e a quantidade de homens que as consideram sua parceira ideal por não saberem lidar com outros seres humanos. Uma indústria com um aumento de 90% nas vendas na última década e cuja ligação entre os donos destas e o assédio sexual e o feminicídio é tão grande que alarma as autoridades a ponto de considerarem sua proibição. Mas isso não parece tão relevante a estes — me pergunto por quê.
Semana ada foi efetuada a prisão preventiva de Poze do Rodo — inédito e inconstitucional prender um artista preventivamente pelo conteúdo de uma música, e pior: lançada em 2019. Ele, que é um raro exemplo de uma pessoa realmente reassociada e reintegrada, com uma carreira de sucesso internacional, longe do crime, teve sua casa invadida, foi algemado e, sem o direito de chamar seus advogados ou sequer calçar um tênis e botar uma camiseta, foi arrastado como um animal feroz ao seu habitat natural: a penitenciária. Estamos falando de um artista milionário — mas, obviamente, negro — que faz música sobre as realidades que viu onde morava (imagina como é para os que ainda estão lá). Mas ele está levando a juventude para o crime, não é? Não é o total abandono do Estado — que vem desde o fim da escravatura — que jogou esse povo, sequestrado de sua terra, à própria sorte, sem nenhuma compensação pela tortura que viveram. Não é esta sociedade, que só lembra desse povo para o oprimir, humilhar, quando não exterminar, que o marginaliza. É o cantor.
Já o sertanejo Leonardo, que manteve trabalhadores em regime análogo à escravidão em suas fazendas, está apenas na "lista suja" de empregadores. Gusttavo Lima, o principal artista da máfia dos shows superfaturados no interior, investigado por lavagem de dinheiro de bets, vendeu para o PCC o avião usado para traficar entorpecentes para a Itália — está livre, leve e solto. Mas, claro, nenhum destes nasceu em uma favela, nem tem pele escura, então são os bons exemplos para a juventude. Apenas erraram e vão aprender.
Ah, e essa juventude que há 131 anos não quer mais trabalhar? Sim, o primeiro registro encontrado falando como a juventude não quer trabalhar é de 1894, mas, de alguma maneira, sempre acham um novo motivo para repetir — como se a realidade socioeconômica brasileira permitisse ociosos. Quão ricas estão todas as famílias que só trabalham os membros que querem?
Finalizo com o analfabetismo funcional, a incapacidade de compreender obras de arte e julgar que tudo nelas irá transformar o jovem. Não se pode mais retratar crimes, principalmente os cometidos por mulheres. Não podem haver personagens LGBTQIA+. A arte só pode falar de coisas boas para mim... Vivemos todos num eterno comercial de margarina e tudo o que há além precisa ser exterminado, pois irá destruir a mente dos jovens. Eu, desde criança, acompanho filmes de terror, filmes de máfia, documentários criminais, ouço músicas que abordam crimes — seja no rock, no rap ou no funk — e nunca cometi um crime ou agi violentamente com ninguém... “Ah, mas você teve uma boa educação, teve outras oportunidades.” Pois então o problema é a educação precária e a falta de oportunidades — não a arte.
As pessoas têm orgulho em não entender, pois, com o preconceito, podem analisar tudo que não compreendem.