Já fomos impedidas de votar, de emitir posicionamentos, de vestir o que gostaríamos, de tomar decisões... só não nos impedem de sentir culpa, e essa é nossa única provável companhia até a morte. “Mas por que não denunciou? Por que não gritou? E como estava vestida? Como assim não quer ter filhos? Já ou da hora de se casar”.
Eu e minha culpa convivemos desde a infância, quando já não podia me sentar como considerava mais confortável porque poderia instigar algo. Crescemos juntas, eu e minha culpa, porque com o tempo as situações de abuso também aumentam.
Embora a minha vontade aqui seja de me ater às mulheres, só pra virar um pouco o disco, sinto que é inevitável mencionar os homens que, em contrapartida, nunca têm culpa de nada. “Ah, são só garotos!”, criaturas que, ainda que em os anos, parecem ter parado no tempo. Aproveito para esclarecer aqui - antes que isso possa soar como ofensa para aqueles desprovidos de capacidade interpretativa e que lutam diariamente contra fatos que ferem seu ego frágil - que não estou generalizando, mas...
Enquanto nós mulheres lutamos por direitos básicos, ao longo da história, esses seres nada complexos seguiram gozando de seus privilégios, abusando do poder que lhes foi concedido – por e entre eles mesmos - e brincando de comandar o mundo sem nem ao menos saber como cuidar da própria casa. Catástrofe eminente.
Não é necessário um olhar demasiado crítico para perceber que continuam iguais, fascinados por arminhas, apaixonados por seus semelhantes, falocêntricos e sem sequer conseguir irar o que lhes remete ao feminino. Para a maioria dos homens, seguimos sendo objeto de uso e descarte, simples ferramentas portáteis para satisfazê-los, seja na cama ou na cozinha, mas jamais ocupando lugares que lhes remetem poder, afinal, somos tão incapazes!
De fato, lutar por igualdade é uma falácia. Se tentássemos nos igualar creio que estaríamos agora comentando sobre o corpo de alguém de forma desrespeitosa enquanto coçamos nossas partes íntimas em público, mas desenvolvemos senso. Se agimos como meninas mimadas é até a idade que tais ações nos competem, então amadurecemos.
Lutamos e evoluímos, a resistência se consolidou como característica das mulheres a partir da capacidade de adaptação feminina. Somos tão fortes que não apenas sobrevivemos, mas resistimos a um sistema que - desde o princípio e a todo o custo - é orquestrado para nos silenciar, paralisar e, acima de tudo, nos desencorajar a ser tudo o que somos, podemos e queremos ser.
Aprendi a conviver com a culpa porque, desde muito cedo, entendi que esse é o sentimento reservado para nós. O que me salva, todos os dias, me encoraja e fortalece, são as mulheres da minha vida. Minha mãe, avós, amigas, tias, colegas, e todas aquelas que questionaram e enfrentaram essa estrutura.
Todas elas me lembram da potência feminina, do poder do amor, da resistência e da liberdade. Por fim, não perco a esperança de que, um dia, os homens possam sim nos irar e amar, afinal, meu maior irador é meu pai que, ao lado da minha mãe, me educou para ser tudo o que eu quiser ser e nunca se intimidou por tudo que eu sou.